top of page

Energia e colonialidade no BRICS+: contradições da governança global

Nota: As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, necessariamente, a posição deste site.


A transição energética consolidou-se como um dos principais eixos das disputas políticas internacionais contemporâneas. De um lado, a emergência climática pressiona governos e organismos multilaterais a acelerar a descarbonização; de outro, a guerra na Ucrânia e a instabilidade no Oriente Médio reafirmam a centralidade persistente dos hidrocarbonetos. Nesse contexto, os países do Sul Global ocupam posição decisiva: concentram reservas de petróleo e gás, detêm minerais estratégicos para a produção de baterias e painéis solares e reúnem vasto potencial em energias renováveis. Apesar disso, sua inserção no sistema energético global continua marcada por profundas assimetrias.


Um olhar decolonial ajuda a compreender esse quadro. Desde o período colonial, recursos energéticos e matérias-primas foram extraídos em países periféricos para sustentar a acumulação nos centros de poder econômico e tecnológico. O petróleo do Oriente Médio, o carvão da África do Sul e, mais recentemente, o lítio da Bolívia e o cobalto da República Democrática do Congo ilustram essa lógica. O discurso contemporâneo da “transição verde” não rompe necessariamente com essa estrutura: em muitos casos, tende a reproduzi-la. A extração intensiva de minerais críticos no Sul Global atende à demanda tecnológica do Norte, sem garantir que os benefícios econômicos ou tecnológicos permaneçam nos territórios produtores.


O BRICS+, ampliado em Joanesburgo em 2023, tornou-se um espaço privilegiado para observar essas tensões. A entrada de Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos trouxe para o grupo potências tradicionais da economia do petróleo, enquanto países como Brasil, Índia e África do Sul buscam se projetar como líderes na transição energética, destacando matrizes relativamente diversificadas e potencial expressivo em fontes renováveis. Essa composição gera uma contradição estrutural dentro do bloco: de um lado, carbon states, cuja economia e influência geopolítica dependem da exportação de hidrocarbonetos; de outro, electrostates, que aspiram protagonismo na agenda verde, investindo em bioenergia, energia solar e eólica.


Presidentes do Brasil, China, África do Sul, Índia e o chanceler da Rússia durante a Cúpula dos BRICS em Joanesburgo (2023)
Presidentes do Brasil, China, África do Sul, Índia e o chanceler da Rússia durante a Cúpula dos BRICS em Joanesburgo (2023). (Foto: Ricardo Stuckert/PR.) Fonte: Portal BRICS Brasil.

Essa divisão energética reflete desigualdades históricas. Países exportadores de petróleo acumulam excedentes financeiros e influência estratégica, enquanto aqueles que apostam em renováveis enfrentam o desafio de acessar financiamento, tecnologia e cadeias de valor dominadas por atores do Norte. O contraste é evidente: os primeiros operam em mercados consolidados e de alta rentabilidade; os segundos dependem de investimentos em inovação e de estruturas de governança global que permanecem restritivas e excludentes.


Sob uma perspectiva decolonial, o dilema energético do BRICS+ não é apenas técnico, mas político. A questão central não consiste apenas em substituir combustíveis fósseis por alternativas verdes, mas em definir quem controla os fluxos de conhecimento, capital e tecnologia nessa transição. A colonialidade do poder manifesta-se no fato de que países do Sul continuam a fornecer insumos estratégicos sem deter patentes, sistemas produtivos e centros de decisão que moldam o setor energético global.


Assim, o BRICS+ expressa simultaneamente cooperação e contradição. A presença conjunta de grandes exportadores de petróleo e de economias emergentes voltadas para renováveis torna o grupo heterogêneo e, em muitos momentos, pouco coeso. Ainda assim, o debate que abriga revela uma dimensão mais ampla: a transição energética, longe de ser apenas um processo técnico, é atravessada por disputas de poder e pela persistência de hierarquias históricas. O caso do BRICS+ demonstra, portanto, que a governança energética global não pode ser compreendida sem considerar o legado da colonialidade e a desigualdade estrutural que molda as relações internacionais.


Nota editorial: Em 2025, o Brasil exerce a presidência rotativa do BRICS, coordenando a agenda política, econômica e de cooperação do bloco.

Informações atualizadas estão disponíveis no site oficial: https://brics.br/pt-br


Referências


SOUTH AFRICAN GOVERNMENT. BRICS Summit 2023: Key Outcomes. Joanesburgo, 2023.


FINANCIAL TIMES. The growing BRICS divide between carbon nations and electrostates. Londres, 2025.


QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research, v. 6, n. 2, p. 342-386, 2000.


ESCOBAR, Arturo. Pluriversal Politics: The Real and the Possible. Durham: Duke University Press, 2020.


STIMSON CENTER. 2025 BRICS Summit: Takeaways and Projections. Washington, 2025.

Comentários


RI Talks Todos os direitos reservados ©

  • Instagram
  • Youtube
  • LinkedIn
logo
bottom of page