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O Paradoxo Verde do Brasil às vésperas da COP 30

Nota: As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, necessariamente, a posição deste site.


Plataforma da Petrobras na Margem Equatorial, autorizada para perfuração exploratória em 2025.
Plataforma da Petrobras na Margem Equatorial, autorizada para perfuração exploratória em 2025. (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

À medida que a agenda climática global ganha centralidade, o Brasil procura reposicionar-se como ator de peso nas negociações internacionais. A realização da COP 30 em Belém simboliza o esforço do país para reafirmar sua liderança na diplomacia ambiental e consolidar uma imagem de potência verde. A escolha da Amazônia como sede do principal fórum global sobre meio ambiente reforça a narrativa de que o país é guardião de uma biodiversidade de relevância planetária e, por isso, ator indispensável na governança climática internacional. No entanto, as decisões domésticas recentes revelam tensões profundas entre discurso e prática.


A autorização concedida pelo Ibama, em outubro de 2025, para a perfuração exploratória de um poço de petróleo na Foz do Amazonas expôs de forma nítida essa contradição. A mesma autarquia havia negado o pedido dois anos antes, alegando falhas técnicas e ausência de instrumentos de planejamento regional. A reversão da decisão, em meio aos preparativos da conferência climática, tornou-se símbolo do dilema que marca a política ambiental brasileira: conciliar a busca por reconhecimento internacional com as pressões internas por segurança energética e desenvolvimento econômico.


O caso da Margem Equatorial não é apenas um conflito entre conservação e exploração. Ele expressa um processo de transformação institucional mais amplo, no qual o licenciamento ambiental se converteu de instrumento de precaução em mecanismo de gestão de risco. Essa inflexão traduz a tentativa de equilibrar agendas heterogêneas sem romper a narrativa de compromisso climático. O resultado é um sistema que preserva formalmente a precaução, mas opera, na prática, sob lógica de mitigação e controle.


Reconfiguração institucional e gestão de riscos


O processo decisório que levou à autorização da perfuração ilustra a mudança de papel do Ibama na estrutura regulatória brasileira. Em 2023, o órgão indeferiu o pedido da Petrobras por ausência de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, lacunas nas modelagens de dispersão de óleo e deficiências nos planos de emergência. Dois anos depois, após a revisão de protocolos, a inclusão de condicionantes e a ampliação do monitoramento remoto, o pedido foi reconsiderado. Embora restrita à etapa exploratória, a nova licença marcou uma virada institucional: o licenciamento deixou de ser exercício de veto técnico e passou a funcionar como arena de negociação entre setores governamentais.


Essa reconfiguração reflete uma lógica mais ampla de governança ambiental baseada na administração de riscos. A política ambiental brasileira, historicamente ancorada na precaução, passou a operar sob o pressuposto de que incertezas podem ser geridas mediante controles tecnológicos e condicionantes regulatórias. O Ministério de Minas e Energia passou a apresentar a Margem Equatorial como fronteira estratégica para a segurança energética e a autonomia nacional, argumentando que as receitas futuras poderão financiar a transição para uma economia de baixo carbono. Contudo, os instrumentos que garantiriam essa destinação ainda são frágeis e fragmentados.


É nesse contexto que autoridades brasileiras frequentemente evocam o exemplo da Noruega para sustentar que a exploração de hidrocarbonetos pode coexistir com metas climáticas ambiciosas. O paralelo, no entanto, revela mais contrastes do que semelhanças. A experiência norueguesa apoia-se em instituições sólidas, em um fundo soberano supervisionado pelo Parlamento e em consenso político duradouro sobre a transição energética. O país escandinavo combina transparência regulatória, baixa dependência fiscal do petróleo e um plano de neutralidade de carbono até 2050. As condições brasileiras são distintas: o país carece de mecanismos de accountability equivalentes, de previsibilidade regulatória e de um fundo de estabilização consolidado. Enquanto a Noruega administra sua produção petrolífera como parte de uma transição já em curso, o Brasil ainda a utiliza como promessa de transição futura. O contraste evidencia diferentes graus de institucionalização e trajetórias históricas de construção do Estado ambiental.


Liderança climática e credibilidade internacional


A coincidência entre a autorização da perfuração e os preparativos da COP 30 ampliou o impacto simbólico da decisão. O evento foi concebido como vitrine do retorno do Brasil à diplomacia climática e da recuperação de sua capacidade de articulação global. No entanto, a abertura de uma nova frente petrolífera na mesma região da conferência gerou questionamentos sobre a coerência do discurso oficial. Organizações ambientais, centros de pesquisa e parte da imprensa internacional interpretaram a medida como sinal de ambiguidade estratégica. O governo respondeu que o licenciamento não compromete as metas de emissões e que o país dispõe de capacidade técnica para conciliar exploração e responsabilidade ambiental.


Essa resposta ecoa uma tradição da política externa brasileira: o equilíbrio entre liderança normativa e pragmatismo econômico. Desde a Rio-92, o Brasil tem buscado afirmar-se como mediador entre Norte e Sul globais, sustentando o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Essa posição confere legitimidade internacional, mas exige consistência entre compromissos multilaterais e políticas domésticas. Quando as decisões internas desafiam essa coerência, a credibilidade externa se fragiliza.


A liderança ambiental não se constrói apenas com diplomacia. Depende da capacidade institucional de traduzir compromissos internacionais em políticas públicas previsíveis e transparentes. A credibilidade do país repousa menos nas declarações de intenção e mais na estabilidade dos mecanismos que regulam o uso de seus recursos naturais. O caso da Margem Equatorial evidencia que o desafio brasileiro é governar a transição energética sem comprometer a integridade de sua política ambiental.


A COP 30 oferecerá um teste decisivo. O Brasil chega à conferência com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, protagonismo em energias limpas e experiência acumulada em negociações climáticas. Esses ativos, contudo, precisam ser acompanhados de coerência institucional e transparência regulatória. Se o licenciamento na Foz do Amazonas for percebido como etapa de uma transição planejada, poderá reforçar a imagem de maturidade do Estado brasileiro. Caso contrário, confirmará a persistência de um paradoxo: o de um país que reivindica liderança verde enquanto reconfigura suas instituições ambientais para acomodar a expansão petrolífera.


A consolidação dessa liderança exigirá mais do que a retórica de conciliação entre produção e proteção. Implicará construir um sistema de governança que integre sustentabilidade, previsibilidade e responsabilidade pública. O paradoxo verde do Brasil não reside apenas na coexistência entre exploração e conservação, mas na distância entre a ambição diplomática de liderar e a capacidade institucional de sustentar essa liderança com coerência e credibilidade.


Referências


IBAMA. Despacho nº 15786950/2023-Gabin – Decisão sobre pedido de licença para perfuração no bloco FZA-M-59, Bacia da Foz do Amazonas. Brasília, 17 mai. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/noticias/2023/ibama-nega-licenca-de-perfuracao-na-bacia-da-foz-do-amazonas/sei_ibama-15786950-despacho-presidente.pdf


IBAMA. Nota do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) sobre o indeferimento de licença para perfuração no bloco FZA-M-59, Bacia da Foz do Amazonas. Brasília, 19 mai. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/notas/2023/nota-do-mma-sobre-o-indeferimento-de-licenca-para-perfuracao-no-bloco-fza-m-59-na-bacia-da-foz-do-amazonas


IBAMA. Processo de licenciamento ambiental para perfuração marítima no bloco FZA-M-59 – ofício ao empreendedor com solicitações de complementação. Brasília, 29 out. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/noticias/2024/processo-de-licenciamento-ambiental-para-perfuracao-maritima-no-bloco-fza-m-59


MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Aprovação de simulado de exploração de petróleo na Margem Equatorial é passo fundamental para a soberania energética do Brasil, afirma Silveira. Brasília, 25 set. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/aprovacao-de-simulado-de-exploracao-de-petroleo-na-margem-equatorial-e-passo-fundamental-para-a-soberania-energetica-do-brasil-afirma-silveira


MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Silveira comemora liberação de licença para exploração do poço FZA-M-59 na Margem Equatorial. Brasília, 20 out. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/silveira-comemora-liberacao-de-licenca-para-exploracao-do-poco-fza-m-59-na-margem-equatorial


IBAMA. Nota à imprensa – Bloco FZA-M-59, Bacia da Foz do Amazonas. Brasília, 20 out. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/noticias/2025/nota-a-imprensa-bloco-fza-m-59-bacia-da-foz-do-amazonas

1 comentário


Um debate essencial, ainda mais nesse momento. Obrigada por provocar essa reflexão tão importante.

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