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O TikTok e os dilemas da soberania digital dos EUA

Foto do escritor: João PedroJoão Pedro

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O TikTok, de propriedade da companhia de tecnologia chinesa ByteDance, tornou-se um fenômeno global, influenciando a cultura digital, a economia criativa e as dinâmicas de comunicação. No entanto, sua ascensão também desencadeou preocupações geopolíticas, especialmente nos Estados Unidos, onde o governo tem adotado medidas para restringir ou banir a plataforma, alegando riscos à segurança nacional. Este texto analisa as atitudes do governo dos EUA em relação ao TikTok, explorando as implicações para a política externa entre EUA e China, as motivações por trás das ações governamentais e os possíveis impactos socioeconômicos e culturais de um eventual banimento. 


O TikTok revolucionou a cultura digital, democratizando o acesso à fama e criando um ecossistema de criadores de conteúdo e negócios. Com quase cinco bilhões de downloads globais e uma receita de 15 bilhões de dólares apenas nos EUA em 2023, a plataforma se consolidou como um pilar da economia criativa. No entanto, seu sucesso também a colocou no centro de debates sobre soberania digital e segurança de dados. O governo dos EUA, com apoio bipartidário, argumenta que o TikTok representa uma ameaça à segurança nacional, devido à possibilidade de coleta de dados pelo Partido Comunista Chinês e ao uso da plataforma para propaganda. Essas preocupações refletem a crescente rivalidade tecnológica e geopolítica entre EUA e China. 


A legislação assinada pelo ex-presidente Joe Biden exigia a venda do TikTok a uma empresa americana ou seu banimento. No entanto, a eleição de Donald Trump em 2024 introduziu novas variáveis ao cenário (TOCZAUER, 2024). Trump, que anteriormente via o TikTok como uma ameaça, agora parece mais inclinado a apoiar sua permanência, possivelmente por motivações políticas ou econômicas. Seu decreto para a criação de um fundo soberano que poderia adquirir o TikTok sugere uma abordagem pragmática, visando evitar o banimento enquanto mantém o controle sobre a plataforma (HOOKER, 2025). Essa medida, no entanto, levanta questões sobre a interferência do governo no mercado e os precedentes que isso estabelece para a gestão de empresas estrangeiras. 


O caso do TikTok simboliza a complexa relação entre inovação tecnológica e segurança nacional em um mundo cada vez mais interconectado. Um banimento do TikTok poderia desencadear retaliações da China contra empresas americanas, exacerbando as tensões bilaterais. Além disso, a tentativa de controlar uma plataforma global como o TikTok reflete a disputa por influência no cenário digital, onde a China tem avançado com suas próprias tecnologias e padrões. A política dos EUA em relação ao TikTok, portanto, não se limita a questões de segurança, mas também envolve a competição por hegemonia tecnológica e cultural. O banimento deixaria um vácuo significativo no ecossistema digital, com alternativas como Instagram Reels e YouTube Shorts incapazes de replicar o mesmo nível de engajamento e comunidade. Além disso, o TikTok promoveu um espaço inclusivo e intergeracional, fomentando trocas culturais e maior compreensão mútua. Sua eventual remoção poderia limitar essas conexões e impactar negativamente a economia criativa, avaliada em 250 bilhões de dólares nos EUA. 


Embora as preocupações com a segurança nacional sejam legítimas, o caso do TikTok também revela os desafios de regular plataformas globais que operam fora do controle tradicional. A descentralização de informações no TikTok contrasta com a mídia tradicional, o que pode explicar parte da resistência política à plataforma. No entanto, qualquer medida regulatória deve equilibrar a proteção de dados com a preservação da inovação e da liberdade de expressão. 


Análise de Cenários Futuros 


  1. Cenário 1: Banimento do TikTok  

Um banimento completo do TikTok nos EUA teria impactos imediatos e de longo prazo. No curto prazo, criadores de conteúdo e pequenos negócios sofreriam perdas financeiras significativas, enquanto os usuários migrariam para plataformas alternativas, como Instagram Reels e YouTube Shorts. No longo prazo, o banimento poderia estabelecer um precedente perigoso para a regulamentação de empresas estrangeiras, potencialmente levando a retaliações contra empresas americanas na China e em outros mercados. Além disso, a remoção do TikTok poderia limitar a diversidade de vozes e perspectivas no ecossistema digital, consolidando o poder das grandes empresas de mídia tradicionais. 

 

  1. Cenário 2: Venda do TikTok para uma Empresa Americana  

A venda do TikTok para uma empresa americana, como proposta por Joe Biden, poderia mitigar algumas preocupações de segurança nacional, mas também levantaria questões sobre a concentração de poder no setor tecnológico. Empresas como Microsoft, Oracle ou mesmo um consórcio de investidores poderiam adquirir a plataforma, mas a transição poderia ser complexa e disruptiva para os usuários e criadores de conteúdo. Além disso, a venda poderia não resolver completamente as preocupações com a coleta de dados, já que a tecnologia subjacente e os algoritmos continuariam a ser desenvolvidos pela ByteDance. 


  1. Cenário 3: Criação de um Fundo Soberano para Adquirir o TikTok  

 A proposta de Donald Trump de criar um fundo soberano para adquirir o TikTok representa uma abordagem inovadora, mas controversa. Por um lado, o governo dos EUA teria controle direto sobre a plataforma, garantindo que os dados dos usuários sejam protegidos e que a plataforma não seja usada para propaganda chinesa. Por outro lado, a intervenção direta do governo no mercado poderia ser vista como uma violação dos princípios de livre mercado e poderia desencadear preocupações sobre a politização da mídia social. Além disso, a eficácia de um fundo soberano em gerenciar uma plataforma global como o TikTok é questionável, dada a complexidade e a dinâmica do setor. 


Liberdade de expressão


O debate sobre o TikTok não se resume apenas à competição tecnológica e geopolítica entre China e Estados Unidos; ele também levanta questões fundamentais sobre ética, direitos humanos e governança digital. A liberdade de expressão e o acesso à informação são pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, e medidas que possam restringir esses direitos devem ser avaliadas com cautela para evitar precedentes perigosos.


O TikTok se tornou um espaço crucial para a expressão de diversas comunidades, incluindo minorias raciais, grupos LGBTQIA+, ativistas políticos e movimentos sociais. A plataforma oferece um meio acessível para que essas vozes sejam ouvidas sem a intermediação de grandes veículos de mídia tradicionais, permitindo que narrativas alternativas ganhem força. O banimento do TikTok nos EUA poderia, portanto, impactar negativamente essas comunidades ao limitar um espaço onde a diversidade de pensamento e cultura floresce.


Além disso, o TikTok tem sido uma ferramenta poderosa para a disseminação de informações sobre direitos humanos, denúncias de injustiças e mobilizações sociais. Durante protestos como o Black Lives Matter nos EUA e as manifestações em apoio aos direitos das mulheres no Irã, o aplicativo desempenhou um papel essencial na organização de eventos, compartilhamento de informações e amplificação de vozes frequentemente ignoradas por canais convencionais. A remoção da plataforma poderia dificultar o acesso do público a conteúdos que desafiam narrativas hegemônicas e dão visibilidade a causas sociais importantes.


O banimento do TikTok nos EUA também levanta preocupações sobre a regulamentação de plataformas digitais em um contexto global. Se um país democrático como os Estados Unidos justifica a remoção de um aplicativo popular sob o argumento da segurança nacional, isso pode criar um precedente para que governos autoritários façam o mesmo sob pretextos similares, mas com motivações políticas mais repressivas. A decisão dos EUA pode, paradoxalmente, fortalecer a justificativa para esses regimes bloquearem ainda mais o acesso à internet aberta, reforçando o conceito de soberania digital para limitar o fluxo de informações dentro de suas fronteiras.


Diante desses desafios, a solução mais eficaz não é simplesmente proibir o TikTok, mas sim desenvolver mecanismos regulatórios que garantam a transparência e a segurança dos dados sem comprometer a liberdade de expressão. Isso pode incluir maior fiscalização sobre o uso de dados, exigências de armazenagem de informações em servidores locais, auditorias independentes e acordos que garantam que as decisões sobre censura e moderação de conteúdo sigam princípios democráticos e transparentes. A regulamentação de plataformas globais deve ser conduzida com equilíbrio, levando em consideração tanto a necessidade de segurança nacional quanto a importância da liberdade digital. Em vez de recorrer a proibições generalizadas, governos podem investir em políticas que fortaleçam a privacidade dos usuários, promovam concorrência justa no setor tecnológico e protejam os direitos fundamentais no ambiente digital.


Portanto, o debate sobre o TikTok não deve ser reduzido a uma questão de rivalidade econômica entre China e EUA. Ele envolve discussões profundas sobre governança digital, direitos civis e o futuro da internet aberta. A decisão sobre como lidar com plataformas desse porte terá implicações duradouras para a liberdade online em todo o mundo.


EUA versus China 


A China tem investido pesadamente em tecnologias de ponta, como inteligência artificial, 5G e computação em nuvem, buscando não apenas reduzir sua dependência de tecnologias ocidentais, mas também estabelecer padrões globais nesses setores estratégicos. Esse movimento faz parte de uma visão de longo prazo impulsionada por iniciativas como o plano Made in China 2025 e a estratégia de desenvolvimento de inteligência artificial anunciada em 2017, que visam posicionar o país como líder global em inovação tecnológica (NINIO, 2024).


No entanto, sua ascensão tecnológica gerou preocupações em Washington, tendo como argumento central os riscos à segurança nacional, incluindo a possibilidade de coleta e manipulação de dados por parte do governo chinês. Contudo, essa abordagem protecionista pode ser contraproducente. O banimento do TikTok nos EUA não impedirá a China de continuar desenvolvendo e exportando suas tecnologias para outros mercados, como Europa, América Latina, África e Sudeste Asiático. Além disso, medidas como essa podem incentivar Pequim a reforçar ainda mais sua autonomia tecnológica, investindo em setores estratégicos como semicondutores, inteligência artificial e sistemas operacionais alternativos. A Huawei, por exemplo, já demonstrou sua resiliência ao desenvolver seu próprio ecossistema de software e chips após as sanções americanas.


Em vez de recorrer a proibições, os EUA poderiam adotar uma estratégia mais eficaz para garantir sua competitividade tecnológica. Isso incluiria investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento, fortalecimento da educação em áreas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e criação de um ambiente regulatório que favoreça a inovação. Além disso, parcerias internacionais com aliados como a União Europeia, Japão e Coreia do Sul poderiam ajudar a estabelecer padrões tecnológicos alternativos que mantenham a influência ocidental nesses setores.


Em um cenário de crescente rivalidade tecnológica, a competição entre China e EUA não será vencida apenas por meio de restrições comerciais e sanções. O sucesso a longo prazo dependerá da capacidade de inovação e adaptação de cada país, e os Estados Unidos, historicamente um polo de inovação, podem se beneficiar mais ao reforçar suas próprias capacidades tecnológicas do que ao tentar conter artificialmente o avanço da China.


Conclusão 


As atitudes do governo dos EUA em relação ao TikTok refletem uma convergência de interesses de segurança nacional, política interna e estratégia geopolítica. Enquanto as preocupações com a coleta de dados e a influência chinesa são válidas, o possível banimento da plataforma traz consigo implicações complexas para a economia criativa, as relações EUA-China e o futuro da regulamentação tecnológica. A criação de um fundo soberano para adquirir o TikTok, proposta por Trump, sugere uma tentativa de conciliar essas preocupações, mas também levanta questões sobre a interferência do governo no mercado. Em última análise, o caso do TikTok ilustra os dilemas de um mundo digitalizado, onde a inovação e a segurança nem sempre caminham juntas, e onde as decisões políticas têm repercussões globais. A resolução desse impasse exigirá um equilíbrio delicado entre proteção, pragmatismo e visão de longo prazo. Além disso, é crucial considerar os impactos éticos, sociais e econômicos de qualquer medida regulatória, garantindo que os direitos fundamentais dos usuários e a competitividade global das empresas sejam preservados. 


Bibliografia


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