A utopia assistida de Zuckerberg: empoderamento pessoal ou nova forma de controle?
- João Pedro Nascimento

- 31 de jul.
- 3 min de leitura
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A recente declaração de Mark Zuckerberg marca um ponto de inflexão estratégico e filosófico na trajetória da Meta. Mais do que uma corrida por protagonismo tecnológico na inteligência artificial, o que está em jogo é a tentativa de moldar a forma como a sociedade irá conviver com a próxima geração de máquinas inteligentes e, principalmente, quem deterá o poder de direcioná-las. A proposta de Zuckerberg para o futuro da IA não é apenas técnica: é política, econômica, cultural e existencial.
Desde sua fundação, a Meta (antes Facebook) construiu sua influência ao estruturar formas de conexão entre pessoas. Agora, Zuckerberg deseja transformar essa mesma infraestrutura em algo mais profundo: um sistema de suporte pessoal inteligente, que conhece o usuário intimamente, compreende seus desejos, sua história, seu contexto visual e auditivo e o auxilia a viver melhor, decidir melhor, lembrar melhor e agir melhor.
Essa virada representa uma mudança do foco em redes sociais para a construção de uma camada de inteligência constante ao redor do indivíduo, algo que transcende o smartphone e migra para dispositivos de uso contínuo, como óculos e wearables. Ao invés de esperar que os usuários consultem um sistema, como acontece com um buscador ou uma assistente virtual, a superinteligência pessoal seria proativa, contextual e emocionalmente integrada à rotina de cada pessoa.
Zuckerberg contrasta sua visão com a de outros grandes atores do setor, especialmente empresas como a OpenAI ou o Google, ao rejeitar uma abordagem centrada na automação de massa e distribuição passiva de recursos (a ideia de que máquinas farão todo o trabalho e os humanos viverão dos frutos). Em vez disso, defende uma descentralização do poder da IA, colocando-a nas mãos de cada indivíduo para que este realize suas próprias aspirações.
No entanto, essa descentralização proposta é, na prática, conduzida por uma infraestrutura altamente centralizada, controlada pela própria Meta. Embora a empresa prometa “empoderar” o usuário, ela continua a mediar essa experiência através de seus dispositivos, plataformas, servidores e modelos de linguagem. A promessa de liberdade é, portanto, ambígua: trata-se de uma liberdade assistida, dependente da mediação de uma corporação privada.
Zuckerberg, que há anos enfrenta críticas sobre privacidade, vício digital e manipulação algorítmica, reposiciona sua imagem como visionário de uma IA a serviço do indivíduo.
O impacto social: um novo sujeito híbrido
Se bem-sucedida, a proposta da Meta poderá reconfigurar a própria noção de sujeito contemporâneo. A superinteligência pessoal de Zuckerberg não é apenas uma ferramenta, mas uma extensão da consciência e da agência individual. Ela lembra aniversários, antecipa desejos, sugere comportamentos, ajuda a navegar dilemas cotidianos e existenciais.
A consequência disso é o surgimento de um sujeito híbrido: humano, mas com capacidades cognitivas ampliadas por algoritmos. Um ser que pensa com a ajuda de sistemas, age com base em sugestões preditivas, e constrói relações mediadas por uma inteligência externa e personalizada. Essa transformação é profunda e levanta questões cruciais:
Como preservar a autonomia individual quando as decisões se tornam constantemente assistidas?
Como manter a autenticidade de relacionamentos humanos mediados por uma terceira entidade invisível?
Quem define os limites do que essa superinteligência pode ou não sugerir, lembrar, prever ou influenciar?
Zuckerberg aposta em um futuro no qual a IA será uma aliada do crescimento humano. Mas a linha entre emancipação e dependência tecnológica é tênue. O risco de criar um ecossistema onde as pessoas se tornem passivas, hiperassistidas, desmotivadas a desenvolver competências próprias ou confiar em seus próprios julgamentos é real. Além disso, a promessa de “conhecer profundamente o usuário” para melhor servi-lo pode colidir frontalmente com questões de privacidade, manipulação e vigilância emocional, especialmente quando os incentivos financeiros da empresa continuam ligados à publicidade e coleta de dados.
Referências
JAMALI, L. Meta Platforms profits surge helps drive Zuckerberg’s AI ambitions. BBC News, 2025.
ZUCKERBERG, M. Personal Superintelligence. Disponível em: <https://www.meta.com/superintelligence/>.




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