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A Arte como Instrumento de Propaganda: Coreia do Norte

Atualizado: há 1 dia


Nota: As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, necessariamente, a posição deste site.



A República Popular Democrática da Coreia, conhecida como Coreia do Norte, utiliza a arte como um instrumento fundamental de propaganda. De caráter estatal, a produção artística é direcionada à exaltação do regime, seguindo os princípios do Realismo Socialista, fortemente influenciado pelas tradições estéticas soviéticas e chinesas. 


O que é o Realismo Socialista? 


O Realismo Socialista foi a doutrina artística oficial da União Soviética, formulada para servir como ferramenta ideológica na construção do socialismo. Ele exigia que a arte retratasse a realidade de forma verdadeira e histórica, mas sempre enfatizando o progresso revolucionário e a criação do "novo homem" socialista. Seu objetivo era educar e transformar ideologicamente os trabalhadores, rejeitando a cultura burguesa e exaltando figuras heroicas ligadas ao socialismo. Inspirado no Realismo do século XIX, o movimento tinha forte influência do gosto pessoal de líderes como Stalin e Lênin, e promovia uma arte acessível, compreensível e alinhada com os ideais proletários. 


Xilogravura de Kim Bong Ju, uma artista feminina homenageada. Foto: North Korean Art Gallery.
Xilogravura de Kim Bong Ju, uma artista feminina homenageada. Foto: North Korean Art Gallery.

A ideologia Juche 


O Juche é a ideologia criada pelo primeiro líder da RPDC, Kim Il Sung, baseada no princípio de que o ser humano é mestre de seu próprio destino, possuindo independência, criatividade e consciência. A doutrina enfatiza tanto a autossuficiência nacional quanto a independência da classe trabalhadora, defendendo que a emancipação do povo só é possível quando este se torna dono do poder. Para isso, é essencial estabelecer um poder popular, com o partido político desempenhando um papel central como força revolucionária, promovendo a unidade e coesão entre trabalhadores e camponeses em torno do líder (culto à personalidade), garantindo a aplicação efetiva da independência sem interferência externa. 


No aspecto econômico, o Juche defende que a autossuficiência é a base da soberania nacional. Sem uma economia autárquica e independente, não é possível assegurar a autonomia política e militar. Da mesma forma, a defesa nacional é vista como fundamental para a soberania, mas a força militar não reside apenas em tecnologia ou armamento, e sim no fervor ideológico e no espírito revolucionário do exército e das massas populares. Essa visão se manifesta na política Songun, que prioriza a linha militar, envolvendo toda a população na construção de um exército genuinamente popular. 


Além disso, o Juche promove o nacionalismo proletário, argumentando que a revolução em um país contribui para a revolução internacional, unificando a luta nacional e global pelo socialismo. 


Estúdio de arte Mansudae


Entrada do Mansudae Studios. Foto: Koryo Tours
Entrada do Mansudae Studios. Foto: Koryo Tours

O Mansudae Art Studio, fundado em 1959, é um dos maiores estúdios de arte do mundo, contando com aproximadamente 4.000 funcionários. Suas produções vão desde monumentos grandiosos até pequenas aquarelas e paisagens melancólicas, todas alinhadas à estética norte-coreana.


O estúdio é composto por cerca de 13 grupos criativos, abrangendo diversas formas de arte, como cerâmica, escultura, mosaico e pintura de belas-artes, além de contar com aproximadamente 10 fábricas e vários departamentos de suprimentos. Mansudae é a principal instituição responsável pela produção e disseminação da propaganda norte-coreana, consolidando-se como um pilar fundamental da expressão artística e ideológica do regime.


A arte norte-coreana produzida pelo estúdio Mansudae exerce um papel fundamental na formação ideológica da população, funcionando como um instrumento de propaganda estatal. Suas obras, ao seguirem os princípios do realismo socialista e da ideologia Juche, exaltam a figura dos líderes, glorificam a história do país e promovem valores como lealdade, patriotismo e coletivismo. 


Estátuas que mostram diferentes soldados, fazendeiros e trabalhadores durante a luta antijaponesa:

Grande Monumento da Colina Mansu, em Pyongyang, Coreia do Norte. Foto: Bjørn Christian Tørrissen

Grande Monumento da Colina Mansu, em Pyongyang, Coreia do Norte. Foto: Bjørn Christian Tørrissen


Por meio de monumentos, pinturas, mosaicos e esculturas espalhados por toda a Coreia do Norte, o governo reforça constantemente a narrativa oficial do regime, apresentando os líderes como protetores e guias da nação. Essas representações visuais criam uma atmosfera de veneração, contribuindo para a construção de um culto à personalidade em torno de Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un. 


Grande Monumento da Colina Mansu, em Pyongyang, Coreia do Norte. Foto: Bjørn Christian Tørrissen
Grande Monumento da Colina Mansu, em Pyongyang, Coreia do Norte. Foto: Bjørn Christian Tørrissen
"Os Mísseis", de Pak Yong-chol. Coleção Sigg, Mauensee
"Os Mísseis", de Pak Yong-chol. Coleção Sigg, Mauensee

“O Ano de Derramamento de Lágrimas Amargas”, de artistas norte-coreanos não identificados, retrata o funeral de Kim Il-sung em 1994.

“O Ano em que Derramamos Lágrimas Amargas”, retrata o funeral de Kim Il-sung em 1994. Crédito: Coletivo da Coreia do Norte; Coleção Sigg, Mauensee
“O Ano em que Derramamos Lágrimas Amargas”, retrata o funeral de Kim Il-sung em 1994. Crédito: Coletivo da Coreia do Norte; Coleção Sigg, Mauensee

Além disso, a arte do Mansudae também educa a população ao retratar cenas de luta revolucionária, trabalho árduo e progresso socialista, reforçando a ideia de que o esforço coletivo e a obediência ao Estado são essenciais para a prosperidade da nação. Essa estética também se manifesta na mídia, na educação e até no design urbano, criando um ambiente visual que molda a percepção da realidade dos cidadãos e fortalece a unidade nacional sob a liderança do regime. 


Dessa forma, a arte norte-coreana não apenas decora espaços públicos, mas atua diretamente na construção da identidade nacional e na manutenção do poder político, garantindo que a ideologia do Estado esteja sempre presente no cotidiano da população. 


Mansudae Art Studio Abroad: O Mansudae Overseas Project Group é responsável por todos os projetos no exterior. Esta divisão foi criada na década de 1970 e desde então criou projetos em várias nações. Os países incluem; Argélia, Botsuana, Camboja, Chade, República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Alemanha, Malásia, Moçambique, Madagascar, Senegal, Síria, Togo e Zimbábue. 


A Coreia do Norte, por meio do Estúdio Mansudae, utiliza a produção artística internacional como uma ferramenta estratégica que lhe proporciona benefícios diplomáticos, econômicos e propagandísticos. A construção de monumentos em outros países fortalece suas relações políticas e culturais, especialmente com governos que compartilham certa afinidade ideológica ou que buscam alternativas à influência ocidental. Além disso, a exportação de obras monumentais gera receita para o regime, o que se torna ainda mais relevante diante das sanções internacionais que limitam outras formas de comércio.


No campo da propaganda e do prestígio, o trabalho do Mansudae reforça a imagem da Coreia do Norte como uma potência artística e cultural, demonstrando sua capacidade de criar monumentos grandiosos e duradouros. Essas obras também servem para difundir os princípios do realismo socialista, promovendo uma estética que valoriza ideais revolucionários e nacionalistas. Paralelamente, ao colaborar artisticamente com outrs países, o regime norte-coreano expande seu soft power, estabelecendo alianças estratégicas e mantendo relações com governos que podem apoiá-lo politicamente em fóruns internacionais.


Dessa forma, os projetos do Estúdio Mansudae vão além da simples produção artística, funcionando como um instrumento de influência global, que integra arte, política e economia para fortalecer os interesses norte-coreanos no cenário internacional.


A seguir, estão alguns dos projetos realizados pelo Mansudae Overseas Project Group.


ALEMANHA


A Fonte dos Contos de Fadas, ligada ao Art Nouveau, foi concluída em 1910. As figuras originais foram derretidas durante a Segunda Guerra Mundial e não foram substituídas por um longo tempo. Usando fotografias da década de 1920, elas foram reconstruídas em 2005/06 pelo estúdio de arte Mansudae .

Fonte dos Contos de Fadas em Frankfurt am Main, Alemanha. Foto: Eigenes Werk
Fonte dos Contos de Fadas em Frankfurt am Main, Alemanha. Foto: Eigenes Werk

CAMBOJA


Museu Panorama de Angkor

Museu Panorama de Angkor em Siem Reap, Camboja. Foto: Tanakan Lee
Museu Panorama de Angkor em Siem Reap, Camboja. Foto: Tanakan Lee

ETIÓPIA


O Monumento Tiglachin, um memorial aos soldados etíopes e cubanos envolvidos na Guerra de Ogaden.

    O Monumento Tiglachin em Adis Abeba, Etiópia. Foto: Francisco Anzola
O Monumento Tiglachin em Adis Abeba, Etiópia. Foto: Francisco Anzola

NAMÍBIA


Heroes' Acre, um memorial de guerra oficial da República da Namíbia.

Foto: Namibian newspaper
Foto: Namibian newspaper
Foto: Namibian newspaper
Foto: Namibian newspaper

A Casa do Estado da República da Namíbia, a residência oficial e local de trabalho do Presidente da Namíbia.

 Casa do Estado em Windhoek, Namíbia. Foto: Christian Trede
 Casa do Estado em Windhoek, Namíbia. Foto: Christian Trede

Museu Memorial da Independência (Namíbia)

Museu Memorial da Independência com estátua de Sam Nujoma, primeiro presidente da Namíbia. Windhoek, Namíbia. Foto: MoMAA
Museu Memorial da Independência com estátua de Sam Nujoma, primeiro presidente da Namíbia. Windhoek, Namíbia. Foto: MoMAA

SENEGAL


Monumento da Renascença Africana, representando os 50 anos de independência do Senegal.

Monumento da Renascença Africana, em Dakar, Senegal. Foto: Sbreitinger

Monumento da Renascença Africana, em Dakar, Senegal. Foto: Sbreitinger



Referências


BROWN, Kate. Meet the Man Who Made a Living Selling North Korean Art to the West—Until UN Sanctions Got in the Way. Artnet. Disponível em: <https://news.artnet.com/art-world/mansudae-art-studio-1291058>.


CASCONE, Sarah . Mansudae Cranking Out Soviet-Style Monuments - artnet News. Artnet . Disponível em: <https://news.artnet.com/art-world/the-north-korean-art-factory-cranking-out-soviet-style-monuments-73226>.


CENTRO DE ESTUDOS DA POLÍTICA SOGUN ; POTROKH, Petya . Os melhores sites para conhecer a arte da Coreia do Norte. Centro de Estudos da Política Songun - Brasil. Disponível em: <https://cepsongunbr.com/2020/05/06/os-melhores-sites-para-conhecer-a-arte-da-coreia-do-norte/>.


DA SILVA COELHO, Tiago . Os Silêncios na História da Arte. In: Centro de História da Arte e Arqueologia. [s.l.: s.n.], 2017, p. 598–593. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/eha/atas/2017/Tiago%20da%20Silva%20Coelho.pdf>.


DOMINGUES DE OLIVEIRA, Marília. O papel da ideologia Juche na construção e consolidação do regime norte-coreano e suas implicações políticas durante o governo de Kim Il Sung (1948-1994). [s.l.]: Universidade Estadual Paulista, 2017. Disponível em: <https://www.inscricoes.fmb.unesp.br/upload/trabalhos/201743085056.pdf>.


KORYO TOURS. Mansudae Art Studio | North Korea Travel Guide - Koryo Tours. Koryo Group. Disponível em: <https://koryogroup.com/travel-guide/north-korea-guide-mansudae-art-studio>.


LOPES, Carlos. O realismo socialista na pintura (XI - final): miscelânea. Hora do Povo. Disponível em: <https://horadopovo.com.br/o-realismo-socialista-na-pintura-xi-final-miscelanea/>.


SCLIAR, Moacyr . Realismo socialista. Academia Brasileira de Letras. Disponível em: <https://www.academia.org.br/artigos/realismo-socialista>.

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