África, o novo hub da IA
- João Pedro
- 14 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de abr.
Nota: As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, necessariamente, a posição deste site.

O continente africano vive um momento de virada em relação ao desenvolvimento e adoção de inteligência artificial (IA). A realização da Cúpula Global de IA na África, em Kigali, Ruanda, marca não apenas um evento simbólico, mas um ponto de inflexão prático para consolidar estratégias e investimentos em infraestrutura, talentos e governança tecnológica. Um dos principais catalisadores desse momento é o anúncio da Cassava Technologies, empresa fundada pelo bilionário zimbabuano Strive Masiyiwa, que, em parceria com a Nvidia, instalará a primeira “fábrica de IA” do continente, com data centers inicialmente na África do Sul e expansão prevista para Egito, Quênia, Marrocos e Nigéria.
A proposta da Cassava é fornecer acesso local a supercomputadores baseados em GPUs (as mesmas usadas por empresas como OpenAI, Tesla e Google), reduzindo a dependência de serviços de nuvem estrangeiros caros e distantes. Atualmente, apenas 5% dos profissionais africanos de IA têm acesso a recursos computacionais suficientes para pesquisa e inovação, o que torna essa iniciativa um divisor de águas. Como apontam líderes do setor, a infraestrutura local permitirá acelerar o treinamento de modelos de IA, reduzir custos e promover soluções adaptadas à realidade africana — da agricultura à saúde, passando por serviços financeiros e educação.
Outro aspecto importante é a possibilidade de aumentar a representatividade africana nos dados usados para treinar modelos de IA. Hoje, há uma sub-representação de idiomas, dialetos e características culturais africanas nos conjuntos de dados globais, o que resulta em vieses e falhas em sistemas de reconhecimento, por exemplo. Com mais acesso à infraestrutura, será possível desenvolver modelos treinados com dados locais, refletindo com mais fidelidade a diversidade demográfica e os contextos econômicos e ambientais do continente.
Esse avanço técnico se alinha de forma estratégica com a Declaração de Kigali sobre IA, firmada por representantes de dezenas de países africanos em abril de 2025. No preâmbulo do documento, os signatários reconhecem o potencial transformador da IA e reafirmam seu compromisso com marcos como a Estratégia Continental de IA da União Africana, o Pacto Digital Global da ONU, e a Agenda 2063 da UA. A Declaração define princípios orientadores fundamentais: soberania digital, inclusão, diversidade cultural, ética, transparência, sustentabilidade ambiental e proteção de direitos humanos.

A partir desses princípios, foram estabelecidos compromissos práticos em sete áreas centrais:
Talento: Os países se comprometeram a formar uma nova geração de especialistas em IA por meio de currículos escolares adaptados, fortalecimento de programas de doutorado, campanhas de alfabetização digital para o público geral e a criação de um Painel Científico Africano de IA com especialistas locais e da diáspora.
Dados: Está prevista a criação de conjuntos de dados abertos e modelos de IA interoperáveis, com governança baseada em proteção de dados, diversidade e equidade, o que também visa corrigir vieses históricos nos bancos de dados globais — como o sub-representação de línguas africanas ou falhas em sistemas de reconhecimento facial com tons de pele escura.
Investimentos: Está previsto o lançamento de um Fundo Africano de IA de US$ 60 bilhões, com aportes públicos, privados e filantrópicos, destinado a desenvolver infraestrutura, apoiar startups, financiar pesquisa e formar talentos, com foco em inclusão e justiça social.
Governança: Os países signatários apoiarão políticas nacionais de IA alinhadas à estratégia continental e à criação de uma plataforma africana de compartilhamento de boas práticas regulatórias, promovendo também fluxos de dados transfronteiriços de forma segura e coordenada.
Cooperação Institucional: Será criado o Conselho Africano de IA, liderado pelo Smart Africa e pela Comissão da União Africana, com apoio da União Internacional de Telecomunicações. O objetivo é garantir articulação de alto nível entre governos, setor privado, academia e sociedade civil.
É importante destacar que, embora a chegada de supercomputadores represente um avanço técnico, desafios estruturais persistem, como a infraestrutura deficiente, especialmente no fornecimento de energia elétrica, e a limitação de dispositivos móveis e conectividade entre os usuários finais. No entanto, especialistas veem a iniciativa da Cassava como um avanço estratégico e simbólico: trata-se do primeiro grande compromisso público de uma empresa africana em investir seriamente em poder computacional, algo que pode servir de exemplo e incentivo para que outras lideranças tecnológicas africanas sigam o mesmo caminho.
Assim, o movimento da Cassava Technologies pode representar o início de uma transformação profunda na capacidade de produção e inovação tecnológica da África, tornando o continente não apenas consumidor, mas também produtor de soluções em inteligência artificial.
Referências Bibliográficas
LEWIS, N. Africa’s first “AI factory” could be a breakthrough for the continent. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2025/04/03/africa/africa-ai-cassava-technologies-nvidia-spc/index.html>.
The Africa Declaration on Artificial Intelligence. , 4 abr. 2025. Disponível em: <https://c4ir.rw/docs/Africa%20Declaration%20on%20Artificial%20Intelligence.pdf>
Comments