A Nova Geografia da religião: como o mundo está se tornando menos cristão e mais secular
- João Pedro
- 20 de jun.
- 4 min de leitura
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Um relatório do Pew Research Center, divulgado em junho de 2025, revela transformações significativas na distribuição religiosa mundial ao longo da década entre 2010 e 2020. Embora praticamente todos os grupos religiosos tenham crescido em números absolutos, a proporção de adeptos no conjunto da população mundial mudou de forma expressiva, revelando um mundo menos cristão, mais muçulmano e mais secular.
Declínio relativo do Cristianismo e crescimento do Islamismo
Apesar de ainda serem o maior grupo religioso global (2,3 bilhões de pessoas), os cristãos caíram de 30,6% para 28,8% da população mundial. Essa queda percentual está relacionada tanto ao crescimento mais rápido de outras religiões quanto ao aumento da desfiliação religiosa, especialmente no Ocidente.
O número de países com maioria cristã caiu de 124 para 120, enquanto a África Subsaariana ultrapassou a Europa como a principal região cristã, concentrando 30,7% dos cristãos do mundo, refletindo tanto o crescimento populacional africano quanto o declínio do cristianismo institucionalizado nas Américas e Europa.
Os muçulmanos foram o grupo que mais cresceu na década: +347 milhões, alcançando 25,6% da população global. Esse avanço se explica por fatores demográficos, como alta taxa de natalidade, e por uma base populacional jovem, com 33% dos muçulmanos com menos de 15 anos. O islamismo se consolida como a segunda maior religião do mundo, com projeções robustas de crescimento futuro.
Ascensão dos “Sem Religião” (Nones)
O grupo dos nones (pessoas que se declaram sem afiliação religiosa) cresceu 270 milhões, totalizando 1,9 bilhão de pessoas em 2020 (24,2% da população mundial). É o terceiro maior grupo global, atrás apenas de cristãos e muçulmanos. Sua presença majoritária já é observada em 10 países, como:
China (90%)
Japão (57%)
Holanda, Nova Zelândia, Uruguai, entre outros.
O crescimento dos nones ocorreu de forma marcante em 35 países, com destaque para aumentos como:
EUA: +13 pontos percentuais
Chile e Austrália: +17 pontos
Uruguai: +16 pontos
Embora tenham perfil etário mais envelhecido e baixa fertilidade, seu crescimento é impulsionado por desfiliação, principalmente entre ex-cristãos.
Religião e IDH
Há uma correlação direta entre desenvolvimento humano e menor religiosidade:
Países com alto IDH tendem a ser mais seculares, urbanizados, com maior acesso à educação e saúde.
Já os países com baixo IDH, especialmente da África Subsaariana e do sul da Ásia, mantêm altas taxas de religiosidade.
Essa dinâmica sustenta o avanço do secularismo em sociedades desenvolvidas, onde a religião institucionalizada perde centralidade.
As diferenças etárias entre grupos religiosos indicam tendências futuras:
Muçulmanos: mais jovens (33% com menos de 15 anos)
Judeus e budistas: mais envelhecidos (36% com 50 anos ou mais)
Cristãos: idade mediana de 30,8 anos (próxima à média global)
Sem religião: perfil envelhecido, influenciado principalmente por China e Japão
Esses perfis impactam as projeções de crescimento, especialmente em favor dos muçulmanos.
Distribuição Geográfica
80% da população mundial vive em países onde sua religião é majoritária.
Hindus: 97% vivem na Índia e Nepal
Cristãos e muçulmanos: amplamente distribuídos em países onde são maioria
Budistas e judeus: mais dispersos; vivem frequentemente como minoria
Israel é o único país com maioria judaica
Taiwan é o único onde "outras religiões" são majoritárias (taoísmo, cultos populares)
China: revisão metodológica e impactos globais

A China tem papel central na redistribuição religiosa global, sobretudo pelo tamanho da sua população. Em 2020, 90% dos chineses (1,3 bilhão de pessoas) eram classificados como “sem religião”, o que representa mais de dois terços dos “nones” do mundo.
O Pew Research Center adotou um novo critério para mensurar a religiosidade na China. Antes, usava-se uma combinação de crença, prática e identidade religiosa. Agora, o foco é apenas na identidade formal (zongjiao), o que o entrevistado responde quando questionado diretamente sobre sua religião, com base na afiliação institucional reconhecida.
Com essa mudança:
A estimativa de “sem religião” saltou de 52% para 87% em 2010.
Em 2020, apenas 10% dos chineses foram considerados formalmente religiosos. A menor taxa entre todos os países do estudo.
Essa revisão teve impacto global significativo:
Aumentou o número de “nones” mundialmente, consolidando-os como o terceiro maior grupo.
Reduziu artificialmente os números de cristãos e budistas, já que muitos chineses praticam elementos dessas tradições sem se identificar formalmente com uma religião.
A nova metodologia melhora a comparabilidade entre países, mas também subestima o papel cultural e espiritual das práticas religiosas chinesas — como o confucionismo, taoismo popular e budismo ritual. Na prática, a China pode parecer estatisticamente secular, mas mantém um rico ecossistema de crenças e práticas não institucionais.
Conclusão: tendências religiosas de longo prazo
O mundo caminha para uma nova configuração religiosa:
Menos cristão, devido à desfiliação e envelhecimento populacional.
Mais muçulmano, por crescimento orgânico, juventude e fertilidade.
Mais secular, com avanço dos “nones” em países desenvolvidos.
Essas transformações têm implicações que vão além da fé individual. Elas afetam identidade coletiva, políticas públicas, relações internacionais, cultura e geopolítica. A religião deixa de ser a única fonte de moralidade e pertencimento, mas segue como uma das grandes forças formadoras do mundo contemporâneo.
Acesso o estudo completo: https://pewrsr.ch/4jA91LR
Referências
Hackett, Conrad, Marcin Stonawski, Yunping Tong, Stephanie Kramer, Anne Shi and Dalia Fahmy. 2025. “How the Global Religious Landscape Changed From 2010 to 2020.” Pew Research Center. doi: 10.58094/fj71-ny11.
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